A neve que caiu em Berlim na manhã de domingo, levemente, parecia vir para agraciar e dar um charme ao que viria a seguir. Em sessão especial fora de competição, foi exibido o documentário Pina, dirigido pelo lendário diretor alemão Win Wenders (Asas do Desejo).
Pina Bausch foi uma das mais importantes coreógrafas e dançarinas alemãs, conhecida por tratar da relação do masculino e do feminino em suas peças, bem como a solidão e (principalmente) o amor. Ela retirava as ideias para seu trabalho, a partir de suas turnês pelo mundo, assim como pelas experiências pessoais dela e dos integrantes de sua companhia, com os quais ela tinha uma relação de profunda amizade e compartilhamento de ideias e sentimentos.
Win Wenders conta sobre a ideia conjunta que tinha com a coreógrafa: “Pina e eu tínhamos esta vontade há mais de 20 anos. Em meados dos anos 80, sugeri a ela que fizéssemos algo juntos e isso nos uniu desde então. Mas o balé de Pina tinha toda esta alegria e liberdade, era tudo tão vivo, que eu não sabia como transportar isso adequadamente para o cinema. Foi quando eu assisti pela primeira vez um filme em 3D. Ainda de dentro do cinema, liguei para ela e disse: 'Agora eu sei, Pina, como isso será!'”
“Ela seria o centro do filme. Estaria perto de mim em todos os momentos. Seria um road movie, nós iríamos percorrer a Ásia e a América do Sul. Seria um filme completamente diferente”.“Pina era mais que o personagem principal. Ela era a própria razão para se fazer este filme. Nós estávamos nas preparações para as filmagens quando, imediatamente antes do primeiro teste em 3D ser feito, recebemos a notícia da morte repentina de Pina. Naturalmente, tudo parou. Parecia sem sentido querer fazer o filme”, relata o diretor, visivelmente emocionado.
Decidido a filmar sobre Pina, Wenders mudou todo o projeto e filmou os dançarinos da companhia dela, reproduzinho vários números que ela criou. Sua decisão de captar os depoentes – vindos de diversos países – falando suas línguas-mães, ressalta o quão universal era o trabalho dela. Não importava a língua. Sua linguagem era a do corpo.
Por vezes, vemos, na parte inferior da tela, as primeiras filas do teatro, assistindo apresentações da companhia. É o espectador colocado ali, no lugar privilegiado para assistir seus espetáculos. Outras vezes, a câmera capta os dançarinos executando seus números em diversas locações pela cidade de Wupertal, onde Pina sempre ensaiou suas peças. É como se sua dança tomasse forma própria e sua mensagem extrapolasse as fronteiras do teatro e se espalhasse pela cidade.
Entre uma cena e outra, falas curtas dos dançarinos, contando conselhos que Pina lhes dava. Mensagens de coragem, de amor ou de confiança, que ela proferia sucintamente, sem pieguismos.
Infelizmente, Pina não viveu para ver este seu espetáculo, mas pelo menos soube que ele existiria. O resultado primoroso de um trabalho apaixonado vem principalmente do trabalho dela. Wenders não quis intervir em nenhuma das peças, com a humildade que só os grandes mestres têm.
Win Wenders e a chanceler alemã, Angela Merkel | Foto: AP |
Este é um espetáculo que só poderá ser apreciado em sua plenitude se for visto em 3D, que exerce sua função e nos leva à imergir naquela arte. O palco do Berlinale Palast virou tela de cinema, que virou palco para Pina Bausch.
Assistir algo assim, num lugar especial e sabendo do contexto da produção, foi presenciar uma das experiências mais emocionantes que o Festival de Berlim pôde proporcionar neste ano.
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