O desfecho da história real de Jean Charles de Menezes todos conhecem. Sua morte comoveu o mundo e manchou a reputação da polícia londrina, famosa por não costumar usar armas em suas operações e que, em 2005, confundiu o brasileiro com um terrorista e assassinou-o, no metrô de Londres.
A transposição dos últimos meses do jovem para as telonas era só questão de tempo e tinha tudo para ser um grande filme. A direção do filme foi inicialmente oferecida a Fernando Meireles, que tinha outros projetos e indicou à BBC – que seria a empresa produtora do filme – o diretor Henrique Goldsman. Sabiamente, a BBC desistiu de bancar o filme quando o novo diretor insistiu que queria contar a história do Jean Charles, ao invés de priorizar a investigação e o questionamento sobre os fatos. Mas quem era Jean Charles? Um “Zé Ninguém”, tão comum quanto todos os outros que batalham por uma vida melhor no exterior. Não fosse a tragédia que aconteceu com ele, não seria inspiração para um filme.
E foi a teimosia do diretor que levou o longa ao fracasso, como produto. Já começa errando nos letreiros iniciais, com letrinhas amarelas, imitando escrita de criança, como se fôssemos assistir uma aventura ou um Juno da vida. A escolha por trabalhar com atores sociais, ou seja, não-atores, também não foi acertada, dando um tom ainda mais amador e forçado às cenas, captadas no formato digital, que (nesse caso) não contribui para a estética.
O que fica em primeiro plano é a história de brasileiros que sofrem todo tipo de humilhação quando chegam em Londres (poderia ser qualquer outro país) e até existem alguns momentos nos quais isso funciona, como na cena em que o protagonista caminha com sua prima e eles discutem sobre a finalidade de estar ali, quando ela diz que ele estava esquecendo das suas origens. Mas não é para ver essa história que as pessoas irão ao cinema.
Para piorar a situação, o personagem Jean Charles foi mal construído, cheio de espertezas que o pintam como um deus (ou chefe de tráfico!) naquela comunidade. Mais parece um agente de empregos. Mas ele é cheio de inescrúpulos: mente para a polícia, passa a perna no patrão e nos amigos. Só causa antipatia no espectador, dificultando a mensagem de clamor por justiça, ao invés de impulsionar as discussões sobre o fato.
Jean Charles é um filme desprovido de emoções e falta-lhe uma parcialidade mais ousada (cadê a cena polêmica para alimentar notícias, debates e publicidade?), um pulso firme para lhe conduzir. Os únicos momentos que poderiam causar maior impacto são na cena da morte, engatada com a declaração de Ian Blair, dizendo que o jovem recusou-se a obedecer a polícia e na (fraca) cena em que autoridades da Scotland Yard visitam a família de Jean Charles no Brasil, oferecendo-lhes um cheque como forma de pedido de desculpas. Mas ambas ficam no “quase”.
O resultado de tantos erros é um filme perdido, sem razão de existir.
Um pouquinho de influência de Gus Van Sant (Elefante e Paranoid Park) e Michael Moore (Tiros em Columbine) faria muito bem à obra.
Era para ser um filme “soco no estômago”, mas o meu, pelo menos, não sentiu nem coceguinha.
(Brasil/Inglaterra, 90 minutos, 2009)
Direção: Henrique Goldman
Roteiro: Marcelo Starobinas e Henrique Goldman
Produção: Carlos Nader, Henrique Goldman e Luke Schiller
Produção executiva: Stephen Frears
Música: Nitin Sawhney
Fotografia: Guillermo Escalón
Com Selton Mello, Vanessa Giácomo, Luiz Miranda
Nota 4,5
7 comentários:
É, apesar de curiosa, eu já estava com receios em relação a esse filme, agora com sua crítica, então... Mesmo assim, devo ver em breve, agora com menos expectativas ainda.
Olá Fred
Eu já não estava tão interessado em ver esse filme, mas pensei que eles dariam um enfoque maior a morte do Jean Charles. Concordo que se talvez tivessem priorizado a investigação e o questionamento sobre os fatos o filme teria tido um resultado melhor.
Abraços e até...
Oi Fred... na boa? Jean Charles por acaso era brasileiro, e por isso virou personagem de um filme, porque na vida real este tipo de erro acontece todo tempo. Na minha réles opinião, a história dele não merecia um longa. Acho que um documentário sobre as condições de vida dos brasileiros no exterior seria mais eficiente. Faltou vc comentar sobre a trilha, pois quando vi a cena do Magal, no trailer, não entendi nada. Um beijo pra vc.
Quanto menos expectativa, mais fácil será de relevar os erros do filme...
Além de ter o apoio da BBC, que poderia dar uma visibilidade internacional incrível pro filme... Mancada do diretor teimoso.
Beth, a cena do Magal é deprimente. É aquele tipo de artista que diz que está fazendo sucesso no exterior, quando na verdade está fazendo showzinho em boteco de brasileiros e só.
E os brasileiros, quando estão lá fora, sentem tanta saudade da cultura de cá, que qualquer coisa que lembre o Brasil já os deixa extasiados! rsrs
Uhúll!
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