Costumo ir ao cinema nos primeiros horários do dia. Além dos ingressos mais baratos, as sessões estão sempre mais tranquilas, sem aquele “mundaréu” sub-17 fazendo zoeira e me desconcentrando do mais importante: o filme.
Pois bem. Nesse sábado, resolvi abrir uma exceção, já que o filme que eu gostaria de ver, absurdamente entrou em cartaz, em Brasília, numa única sala, com um só horário (21:20) e num dos menores cinemas da cidade (o do Liberty Mall). Não me arrependo da exceção.
Foi naquela noite de sábado que tive, dentro daquele cubículo mágico, momentos de pura distração, utilmente aliados à rica absorção de informação e cultura, além de muita música boa. Esqueci de tudo, inclusive da baixa qualidade da sala e da projeção que aquele cinema proporciona (fui reclamar para a moça que o filme estava escuro, desde os trailers, e a cara-de-pau me disse que filmes digitais são assim mesmo. Alguém conta para ela que o coitado do digital não tem nada a ver com isso? Humpf).
O diretor Paulo Henrique Fontenelle, estreante em longa-metragem, leva às telas a cinebiografia de Arnaldo Baptista, o fundador de uma das maiores bandas que este país já teve: Os Mutantes. Em sua formação original, além de Arnaldo, Sérgio Dias (seu irmão) e Rita Lee.
Em tempo: Lóki é o nome de uma música do álbum homônimo que Arnaldo lançou logo após o término dos Mutantes. Um álbum marcado por letras fortes, tristes, mas aclamado por muitos como um dos melhores álbuns já lançados no Brasil, quiçá no mundo.
Com um roteiro linear, vimos, sem pudores ou máscaras, as principais fases de vida pela qual passou o mutante Arnaldo. Desde a rápida ascensão, no final da década de 60, a aclamação da crítica e do público (mundialmente), passando pelo casamento conturbado com Rita Lee, o esfacelamento da banda, o envolvimento com as drogas, o internato no hospício, a tentativa de suicídio, o encontro com seu definitivo amor e salvadora Maria Lúcia, culminando com o retorno triunfal em 2007, quando retomou a banda Mutantes ao lado do irmão e com Zélia Duncan no lugar de Rita Lee, no show arrebatador apresentado no Barbicam Theater, em Londres. Prefiro resumir assim o filme, para não estragar os detalhes e entregar as histórias geniais contadas pelos depoentes (Gilberto Gil, Sérgio Dias, Zélia Duncan, Sean Lennon, Kurt Cobain, John Ulhoa, Devendra Banhart, Lobão, Nelson Motta, etc).
Permeiam a narrativa, inúmeras cenas do artista em contato com a arte que descobriu também ter o dom, enquanto estava em processo de recuperção: a pintura. São quadros cheios de palavras soltas e figuras simples, mas que dizem uma clara mensagem ao estarem inseridas nesse contexto.
Um ponto me incomodou no filme: o diretor dá espaço demais para a “fase Rita Lee”. É mais demorada do que devia. Chega a ser cansativa. Apesar de ser uma etapa crucial na vida do retratado, é desnecessário dar tanto tempo a ela, mesmo que fosse para compensar o fato de que ela recusou-se a dar seu depoimento (mais incômodo). A roqueira desperdiçou uma grande chance de esclarecer os fatos e contar, finalmente, o seu lado da história. Decepcionante a recusa dela. Mas... cada um é cada um e ela não parece ter superado seja-lá-o-que-for-que-tenha-acontecido na separação.
Com sua voz peculiar e sua dicção afetada, Arnaldo encanta pela sua história, pelo seu carisma e simplicidade e principalmente, pela sua alegria de viver. Como é maravilhosamente dito em sua Balada do Louco: “Mas louco é quem me diz que não é feliz...”
Não é saudosismo de minha parte, até porque não tenho idade para tal, mas caio no velho discurso de que “a juventude precisa conhecer a história do seu país” e Arnaldo fez história na nossa música.
Lóki é mais um ótimo documentário nacional sobre músicos nossos, unindo-se a outros grandes exemplos, como Fabricando Tom Zé, Cartola – Música para os Olhos e Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei, entre outros.
Se alguém ainda não tem consciência da importância de Arnaldo Baptista, que a tome então com esse filme.
“Cê tá pensando que eu sou lóki, bicho?” Então assista e me responda essa questão!
(idem, Brasil, 120 minutos, 2008)
Dir.: Paulo Henrique Fontenelle
Nota 7,9
8 comentários:
Olá Fred
Infelizmente este filme não saiu nos cinemas aqui da minha cidade do PR, é um absurdo. Fazer, vou esperar sair em DVD.
Abraços e até mais.
Keep faith, Altieres.
Quem sabe não entra em cartaz daqui umas semanas?
Aqui em Brasília vivem chegando filmes pós-São Paulo...
Ei, Fred. Aqui em BH o filme também estreou estranhamente em apenas uma sala, em um horário e num cinema longíquo. Estratégia esquisita essa, não? Mas como no próximo fim de semana vai passar para um horário à tarde, vou poder conferir finalmente. []s.
É, por enquanto não veio para Salvador também. Só aguardando, mas fiquei interessada em ver.
Depois quero ler seu comentário, Renato.
Abraço!
Estreou em 18 salas (quase todas com poucos horários).
Tomara que vá para Salvador, porque aí tem um público eclético, que imagino interessar-se pelo filme.
Tenho muita curiosidade nesse filme justamente porque não conheço praticamente nada do trabalho do Arnaldo Baptista. Acho que seria uma grande oportunidade para descobrir mais um grande artista brasileiro.
Tomara que estréie na sua cidade!
Postar um comentário
Concordou com o que leu? Não concordou?
Comente! Importante: comentários ofensivos ou com palavras de baixo calão serão devidamente excluídos; e comentários anônimos serão lidos, talvez publicados, mas dificilmente respondidos.