José Padilha resolveu filmar a fome.
Depois de Ônibus 174 e Tropa de Elite, ele volta com mais um projeto politizado, no qual ele pôde acompanhar, por algumas semanas, o sofrimento de 3 famílias que lutam contra a miséria (ou não) no Ceará. Uma delas vivendo na própria capital, Fortaleza.
O porquê de escolher aquele estado, Padilha não sabe dizer ao certo. Veio a oportunidade e ele abraçou, mas deixou claro que poderia encontrar esse retrato da pobreza em qualquer outro lugar do país. Talvez pelo cenário do Nordeste ser muito seco e a poeira que invade as casas refletir bem a aridez do assunto, o tema torna-se ainda mais chocante e nos induz à reflexão sobre o desequilibrio social que há, particularmente, no Brasil. A fotografia ajuda a aumentar essa aridez, imprimindo a estética da fome, toda em preto-e-branco e estourada pelo sol, como em Vidas Secas. Outro aspecto, a ausência de trilha sonora, amplifica o enorme vazio que dita a rotina daquelas pessoas.
Se assistir ao documentário não foi uma experiência agradável, filmá-lo com certeza foi ainda mais difícil. Presenciar as crianças comendo uma comida horrível em meio a muitas (muitas mesmo) moscas, desnutridas, a mulher raquítica que ainda aguenta o marido bêbado, a agonia de não ter absolutamente nada à mesa, isso deve ter sido muito marcante. Exigia sangue frio, pois a equipe não podia ajudar as famílias, pelo menos enquanto acontecessem as filmagens, para ter um perfil realista do que se passa. Eles passavam o dia inteiro com as famílias e só comiam à noite, no hotel, para evitar comer em frente os miseráveis.
Cada um reage diferente à situação de fome: uns bebem, outros ficam violentos ou depressivos ou acomodados. Fica claro que os programas do governo, Fome Zero, Bolsa Escola, Bolsa Família e outros, não resolve o problema e em muitos casos, incentivam o comodismo nas pessoas. Em determinado momento, um pai de família, depois de muita cachaça, dorme o dia todo e declara: “hoje não vou trabalhar, porque ontem ganhei uma merrequinha, então hoje posso dormir o dia todo. Amanhã me preocupo com o que as crianças vão comer. Hoje não!”
Noutro momento, a filha de uma senhora que ajuda uma das famílias, diz, apontando para uma das crianças: “essa está encolhendo!”. E ela está certa. Boa parte das crianças é desnutrida e as respostas que a mãe dá à nutricionista são espantosas.
Não dá para ficar indiferente a um filme desses. Assistí-lo é fazer um exercício de reflexão e colocar os pés no chão. E Padilha retrata o tema de maneira coesa, sem panfletos ou sensacionalismo. Apenas mostra as situações e cada um que pense com seus próprios botões.
É um exercício de conscientização que todos deveriam fazer.
Só para constar: garapa é uma mistura de água com açúcar, que mantém de pé muitas pessoas no mundo inteiro.
Dessa vez não vou dar nota pro filme, porque me sentiria dando nota para a miséria alheia.
4 comentários:
Realmente, Fred, pelo que você narra parece um filme importante de assistir, e vou seguir seu conselho. Não é nada agradável ver a miséria batendo em sua porta. Espero não encontrar uma platéia insensível, como a que me acompanhou no novo filme de Joel Zito, as moças narrando sua difícil vida, e o povo rindo no cinema...
Nossa, tô curiosíssimo para ver essa mais nova provocação do Padilha.
Nossa, não há nada pior que platéia inconveniente. A anta que sentou-se à minha frente em "Wolverine" que o diga! rsrs
Não digo impossível, mas acho dificílimo alguém ousar rir num filme indigesto como Garapa.
Espero que não se arrependa!
Provocação? Me senti a pior pessoa do mundo, comendo meus biscoitos enquanto assistia o filme. Pior ainda quando lembrei dos meus problemas, ridículos se comparados aos daquelas famílias.
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