Agora entendo por que O Nevoeiro recebeu críticas tão díspares no ano passado, quando foi lançado. É desses filmes que dão margens para o espectador interpretarem-no de duas formas: uma opção é vê-lo como um filme de horror e reparar só na história superficial que é contada; a outra opção é a de dar um crédito mais sério ao filme e interpretá-lo pelas entrelinhas. Então, dificilmente quem o assiste com o olhar da primeira opção gostará dele.
A situação é a seguinte: um estranho e gigantesco nevoeiro cobre toda uma cidade. Parte da comunidade fica presa num supermercado e após algumas tentativas fatais de sair de lá, descobrem que há monstros não-identificados à espreita, em meio ao nevoeiro. O que fazer? Sair de lá e enfrentar o desconhecido (podendo chegar num lugar seguro) ou ficar, tendo cada vez mais aumentado o risco de invasão dos seres assassinos?
The Mist (título original) é mais uma adaptação de uma obra de Stephen King para as telonas, a quarta dirigida por Frank Darabont (as outras experiências foram À Espera de Um Milagre, Um Sonho de Liberdade e o curta de 1983, The Woman in The Room), mas é a primeira vez que o diretor filma um conto de horror do escritor.
O resultado é uma mistura de A Vila (2004) com Sinais (2002), tratando do isolamento de uma comunidade (que, no caso, não sabe o que os espera do lado de fora do supermercado) e de fé (ou o quanto as doses aquém ou além disso podem prejudicar as pessoas).
O filme perde muito nos quesitos técnicos, com efeitos visuais muito ruins, que me lembraram os efeitos de filmes dos anos 80 ou de tosqueiras do início dos anos 90, como Fome Animal (de Peter Jackson, 1992) ou ainda (o que é pior) dos efeitos dos mutantes da Record. Por mais que (nos extras do dvd) a equipe explique a elaboração e o passo-a-passo da execução dos efeitos, a mistura dos efeitos especiais com os efeitos visuais não ficou nada boa. O curioso é que os efeitos em CGI foram feitos pela CafeFX, mesma empresa que assinou os criativos efeitos de O Labirinto do Fauno. Até a maquiagem é tosca (as feridas no rosto de alguns mais parecem tampos de plástico vermelho). Há também erros gritantes de continuidade, como numa cena em que uma personagem tem o rosto sangrando e no plano seguinte, da mesma cena, o sangue sumiu!
Perguntei-me, ao final, se o aspecto de filme B foi proposital. Assisti aos extras do dvd e constatei que não, eles realmente quiseram fazer algo sério e com efeitos realistas. Era melhor ter se assumido como trash de conteúdo. Pelo menos seria mais compreensível.
O roteiro entrega maus argumentos aos personagens e dá a eles o velho estigma de norteamericanos verborrágicos e burros que os filmes do gênero tanto gostam de imprimir, mas desenvolve muito bem o seu contexto geral. A direção de Darabont é precisa: ele sabe dosar bem as cenas de suspense, horror e as cenas de drama e desespero dos personagens.
Na primeira metade do filme, a câmera passeia entre os moradores da comunidade, como se fosse um deles e permanece assim, até que o mistério começa a ser revelado e ela torna-se onipresente, para que melhores ângulos pudessem ser captados. Ficou interessante também o uso de vários zooms curtos e rápidos, captando a ação de forma documental, como nos filmes da trilogia Bourne ou no seriado 24 Horas. Uma pena que não lançaram o filme como o diretor inicialmente havia pensado: em preto-e-branco (versão lançada só em dvd, junto com a versão de cinema, nos EUA).
No entanto, tudo o que citei fica para trás quando emergimos na contínua reflexão que Darabont faz e das mensagens que nos transmite através das ações dos personagens, principalmente da pregadora insuportável sra. Carmody (Marcia Gay Harden) e do durão-líder-da-situação David Drayton (Thomas Jane), que depois de muitas ações equivocadas perde o controle da situação e beira a insanidade.
Depois de muito horror, é chegado o final inesperado, doloroso até para quem assiste. Enquanto sobem os créditos, é hora de parar para refletir e organizar os pensamentos, tão remexidos e confundidos no decorrer do filme.
O Nevoeiro
(The Mist, EUA, 126 minutos, 2007)
Direção: Frank Darabont
Roteiro: Frank Darabont, baseado em livro de Stephen King
Produção: Liz Glotzer e Frank Darabont
Música: Mark Isham
Fotografia: Ronn Schmidt
Com Thomas Jane, Márcia Gay Harden, Laurie Holden, Toby Jones
Nota 8,0
8 comentários:
Adorei sua resenha, uma das mais lúcidas sobre o filme. Rapaz, o final me deixou mal por umas boas horas, rs. Abraços..
Olá Fred
Eu fiquei com a segunda opção e gostei do filme. A Marcia Gay Harden está mesmo insuportável, ótima atuação, e o final então (é um soco no estômago do expectador). RECOMENDO.
Abraços e até mais.
Muito obrigado, Nespoli!
O ego agradece o afago! rsrs
Pois é, eu também fiquei bons minutos tentando aceitar o final (não que não tenha gostado).
Acho que quem admira o cinema e curte uma boa reflexão além da história mostrada, no geral, gostou bastante do filme.
E você é um desses!
Abraço!
Vi o filme no cinema. E não achei os efeitos tão ruins assim. Não sei se no DVD piora. Mas esse é de longe um dos melhores filmes baseados em alguma história do Stephen King. Não que isso seja grande coisa né.
Um dos melhores filmes do ano passado. O longa me marcou bastante, em especial pelo final perturbador e pela grande atuação da Marcia Gay Harden.
Daniel - não vi no cinema, mas os efeitos são muito toscos no dvd. E realmente, Stephen King rende poucas adaptações descentes. Mas algumas se salvam. Além do O Nevoeiro, outro que também gosto é The Green Mile, também dirigido pelo Darabont.
Matheus - foi exatamente o final que me arrebatou e elevou o conceito do filme ainda mais. Fiquei muito tempo parado, tentando digerí-lo, pois esperava algo mais óbvio. Uma grata surpresa. E a Marcia estava irritantemente boa!
Fred! veja que vc mesmo escreveu a crítica, e concordo inteiramente com sua crítica, só acho que depois de uma filme assim(com defeitos visuais absurdos e ao meu ver uma montagem de cenario bem meia-boca. o que foram aqueles mortos?!)O saldo é 7,0, só pela reflexão final.
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