Sob júri presidido por Tim Burton, “Tio Boonmee, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas” levou a Palma de Ouro em Cannes 2010, diante de uma crítica dividida entre ovação e apedrejamento.
O roteiro foi inspirado num trabalho realizado por Apichatpong Weerasethaku – cineasta de 40 anos, cultuado também por outros três filmes, sempre passados na floresta: “Blissfully Yours” (2002); “Tropical Malady” (2004) e “Syndrome and a Century” (2006) – com jovens do nordeste da Tailândia, que acreditam na transmigração de almas entre humanos e animais.
Tio Boonmee sofre de insuficiência renal e sabe que está prestes a morrer. Ele resolve reunir os membros de sua família e segue para o interior de uma gruta, onde acredita ser o “útero” onde ele, em uma vida passada, nascera.
O diretor tailandês já anunciava, numa nota de intenção, que os fantasmas apareceriam, quando não estivesse nem completamente claro, nem completamente escuro. Assim, a fotografia seguirá sempre nesta luminosidade crepuscular incômoda, sob a qual não se consegue enxergar com clareza os personagens, mas que proporciona belos quadros e ajuda a esconder os “mistérios” da floresta, seus fantasmas, macacos e princesas. Elementos fantásticos que dão margem a qualquer tipo de divagação.
Apichatpong não se importa em contar uma história coesa, com príncipio, meio e fim. Segundo ele, existem seis rolos de filme que compõem “Tio Boonmee...” e que poderiam formar seis outros diferentes filmes. Talvez por isso as imagens sejam desprendidas entre si e existam sequências sem nenhuma relação aparente com o núcleo principal do velho à beira da morte. Assim, histórias absurdas, como a de uma princesa feia que doa seus pertences e se entrega sexualmente para um peixe, surgem e se vão sem maiores explicações. Esta pode ser mais uma das vidas passadas que Boonmee relembra, mas isso não óbvio.
O ritmo lento, os planos longos e a quase completa ausência de trilha sonora – exceto na sequência final – compõe uma narrativa serena, contemplativa e por vezes (sim) sonolenta. Seus personagens não agem num tempo normal. Possuem ritmo próprio, exercem suas atividades vagarosamente e por acreditarem nos espíritos, agem naturalmente quando a esposa de Boonmee ressurge após 19 anos de morta ou pelo retorno do filho desaparecido, agora em forma de macaco fantasma.
A cena da mesa de jantar, em que tio, sobrinho, cunhada, filho e esposa se reunem, explicita tamanha naturalidade que chega a ser cômico quando, por exemplo, a tia pergunta ao sobrinho-macaco-fantasma sobre o porquê de ele ter deixado os cabelos tão longos.
O diretor trabalha a fantasia usando de recursos tradicionais do cinema, sem precisar de computação gráfica. O espectro de um fantasma ou a duplicação de personagens é toda feita com a “técnica do espelho” (aquela mesma, usada nas apresentações da mulher que vira gorila).
Misturando surrealismo e simplicidade, “Tio Boonmee, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas” é uma obra sincera, completamente aberta à exploração.
O desprezo passa longe dessa nova obra de Apichatpong. Ninguém sai imune à sua sessão. Pode-se odiá-la ou amá-la, não importa. O fato é que ela, de alguma forma, vai mexer com o público.
Trailer:
(Lung Boonmee Raluek Chat,Espanha/França/Alemanha/Reino Unido/Tailândia,113 minutos, 2010)
Dir.: Apichatpong Weerasethaku
Nota 8,5
3 comentários:
Oi Fred,
Eu entendo e também vi tudo isso no filme, mas achei uma obra completamente alternativa que só vai atingir meia dúzia de espectador, qual a graça disso?
Eu se fosse um diretor, ficaria feliz se minha mensagem pudesse ser vista pelo maior número de pessoas.
Sei lá, tem certas obras que não consigo entender o objetivo.
Fred, deixei um selo pra vc aqui, ó: http://intratecal.wordpress.com/2011/01/21/critica-127-horas-2010/
Abraços!!
Kadu, toda forma de expressão é válida. Sem filmes como este, os grandes também não conseguiriam se renovar, porque é dos filmes experimentais e de arte que os grandes tiram inspiração para transformar aquilo em algo de alcance maior. E este filme é para poucos, sim, mas não é chato como muitos do gênero.
Bruno, valeu! Vou lá dar um olhada.
Abraços
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