Sem maiores expectativas, fui assistir – no Festival Internacional de Brasília 2009 – o novo filme do Karim Aïnouz, em codireção com Marcelo Gomes. Karim é responsável por dois dos melhores filmes nacionais da década (Madame Satã e O Céu de Suely) e Marcelo dirigiu o cultuado Cinema, Aspirinas e Urubus.
Numa sessão cheia, o que aconteceu só tem uma explicação: a mágica do cinema. Os créditos finais subiram e ninguém levantava das cadeiras ou sequer faziam comentários com pessoas ao lado. A reação era de total perplexidade. Aconteceu, naquele momento, um respeito mútuo entre a tela e os espectadores que eu nunca presenciei. Fez-me reafirmar o quanto eu amo o cinema. Foi de arrepiar.
Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo – que título lindo! – mistura a linguagem do documentário com a linguagem da ficção. Estreia nesta semana apenas para o felizardo público do Rio Grande do Sul e de São Paulo, mas se o cinema possui um deus, ele há de abençoar o filme para que entre brevemente em cartaz no restante do país.
Um geólogo viaja e durante os sessenta dias de estrada percorrida, escreve para a amada deixada para trás, contando sobre as pesquisas que fez, as pessoas e os lugares que conheceu e principalmente, fazendo um relato sobre o profundo processo de autoconhecimento pelo qual ele passou.
O protagonista sequer aparece em tela. A leitura dos escritos é feita por Irandhir Santos (de Besouro) com tanta emoção que a impressão que ficou foi a de que conhecemos o personagem, sem nunca tê-lo visto. Em momentos emocionantes, ele entrevista moradores da região, perguntando-lhes qual o ideal de vida deles. Os sonhos almejados são medíocres, mas demonstra a humildade daqueles moradores e o quanto eles pedem pouco para se considerarem felizes. A definição de “uma vida de lazer” é tocante.
Os depoimentos são como memórias, crônicas e declarações de amor do povo, sem o rebusco de Marisa Monte. Em alguns momentos, tive a sensação de estar ouvindo Roberto Carlos a 200 Km por hora. Mas a música que toca é ainda mais brega que isso, mas que, no contexto, é bonita, melancólica.
Numa sequência, o geólogo relata uma de suas aventuras amorosas, oriundas de enorme carência e solidão, na qual só há fotos e sons de lugares. Nem ele ou a prostituta aparecem, mas eu podia jurar que vi toda a situação acontecer.
Os diretores mesclaram ficção e realidade com tamanha maestria e sutileza que não se sabe onde termina um e começa o outro. Ousaram na experimentação de linguagem, na montagem de sequências justapostas, no jogo de composição de sons e sensações, no tratamento arriscado das imagens e na confiança de que tinham um roteiro maravilhoso em mãos. Fizeram um filme que traduz em som e imagens tudo o que o cinema é capaz de fazer, com poesia e inventividade.
Com a chegada dos planos finais, a sensação era de alma lavada. A mensagem foi passada. A imersão naquela jornada e todas as experiências e dificuldades que o protagonista passou foram válidas, para ele e para todos que o assistiram.
Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo é uma aula de narrativa e de composição de imagens.
Isso é o que eu chamo de originalidade. Isso é o que eu chamo de arte.
Trailer:
(idem, Brasil, 75 minutos, 2009)
Dir.: Karim Aïnouz e Marcelo Gomes
Nota 10
26 comentários:
Só de ler essa crítica, eu já fiquei impressionado com o filme !
Ele entrará em circuito nacional ?
cinemapublico.blogspot.com
@Raspante, como eu escrevi, ele já entrou em circuito, no RS e em SP.
Brevemente deve ir para outros estados. É torcer para que vá também para o seu.
Abraço
Fred, eu já tinha ouvido falar no filme e agora fiquei com uma puta vontade de assistir.
Acho que esta foi a melhor crítica tua que eu li até o momento... está excelente!
Abs!
Oi!... :)
Tenha um bom fim de semana!
Bruno, muito obrigado! Eu também achei! Não hesite em assistir, quando tiver oportunidade!
Stella, oi e bom fim de semana pra você também, seja lá quem for...
Fred, estava aqui em dúvida sobre o que assistir... Vou confiar na sua crítica, tomar um banho e ir ao cinema. Depois te conto o que achei! Belo blog! Beijos, Tati
Assisti ontem, dia 23/05. O filme é abaixo da crítica. Achei q já tinha visto filmes ruins, mas esse conseguiu fazer parte dos piores. É parado, chato, com narrativa pobre q, qdo não está usando termos técnicos de geologia (incompreensíveis para leigos), está afundado em dor de corno, corroborado pela trilha sonora. A fotografia é de uma má qualidade q chega a doer. Ao final do filme entendi o pq de dois diretores: qdo se une o ruim ao pior ainda, só pode resultar em um desastre.
Tati, estou curioso para saber sua opinião. Assim que puder, volte e nos conte!
Passou aqui em Salvador ontem no Panorama Internacional de Cinema. E o diretor Marcelo Gomes disse que ele estrearia aqui no dia 04.
O filme me emocionou bastante. Uma bela novidade.
bjs
Amanda, fico feliz que tenha gostado!
Este filme é difícil de digerir e tem gente detratando-o sem nem saber o que diz... Por aqui, infelizmente, nem tem data de estreia, ainda mais agora que o cinema de circuito alternativo pegou fogo...
Não consigo parar de pensar neste filme que assisti há algumas horas atrás. É espetacular! Há muito tempo que não vejo uma filme com uma narrativa tão tocante. Tudo parece tão real que podemos imaginar o sentimento do protagonista. Há duas coisas para nos prender no filme: a história pessoal do protagonista e as histórias das pessoas que ele encontra e que estão atreladas a história do local. Pode-se descrever tanto a história do protagonista como as histórias do local com as mesmas palavras: vazio, solidão, sofrimento e, por que não dizer, encontro com a liberdade e resignação aos sogrimentos, pois é isso que mostra no fim do filme de uma maneira muito bela. O fado no final do filme é outra coisa maravilhosa de se ouvir. Quero ver o filme de novo!!!
Eriene, você esqueceu de dizer que este é um filme movido pelo amor, tanto da equipe quanto dos personagens, que por mais que sejam solitários, têm a quem amar e de alguma forma são apaixonados pelo que fazem. É lindo! Eu também quero ver de novo!
Fred, gostei muito quando me deparei com o seu texto neste blog. Fiquei extasiado com esse filme. Parabéns!
Rogério, muito obrigado!
Que bom que gostou, do texto e do filme!
Abraço!
Gostaria de saber quem canta, no filme, aquela canção gravada pelo Paulo Ricardo, Dois ("De repente as coisas mudam de lugar / E quem perdeu pode ganhar...").
Carlos, não tenho certeza de quem canta esta música, mas quase toda a trilha é (re)feita pelo Chambaril.
Aliás, é um trilha e tanto, não?!
Abraço
Concordo com a crítica do Fernando. Realmente, o filme é de péssima qualidade, mas quem sabe eu não entenda nada de cinema mesmo. Pena que o Fred se omitio de qalquer comentário quando surgiu uma crítica. Abraços a todos, Fábio.
Fábio (e Fernando), eu me abstive de responder o comentário do Fernando, simplesmente porque não há muito o que argumentar. Cada um expôs os motivos pelos quais gostou ou não do filme e eu não posso retrucar a opinião dele. Acho uma pena vocês não terem admirado o filme como ele merece, mas paciência. Respeito a opinião dos dois e foi por isso que publiquei-as.
Se fossem grosseiras e com palavras de baixo calão, não teria publicado.
Grande abraço!
Realmente qdo pensei q jah tinha visto de tudo no cinema, eis q me surpreendo!!! Sou cinefila de carteirinha, amo cinema e por isso jamais saio do cinema qdo o filme eh ruim por respeito a quem fez o filme. Ontem dia 30/08/10 fui assistir o filme "Viajo porque preciso, volto porque te amo" por ser um filme brasileiro e porque achei o nome lindo o que chamou a minha atençao. Inicia o filme, hummmm.... acho que meus oculos estao sujos! Retiro os oculos e limpo as lentes. Lindo o plano inicial da estrada com dois caminhoes passando. Perfeito! Recoloco os oculos, hummm... acho que estou precisando trocar de oculos eu penso. Começa a minha agonia, o filme segue, como pipoca, me viro na poltrona... oh ceus!!! Jamais vi um filme tao descompromissado com qualquer coisa. Alguns cortes beiram o amadorismo, a direçao de arte eh inexistente, a fotografia se perde pela falta de unidade. Dah a impressao de que ora um diretor usa uma camera, ora o outro usa outra camera completamente diferente. O filme nao tem uma estetica definida. Ufa!!!! Mas pra resumir pra quem quiser ir assistir, o filme eh enfadonho, tosco, cansativo, com roteiro pra lah de ruim e vc nao vai ver o personagem principal uma unica vez do inicio ao fim. A melhor cena eh a do final, chupada de um filme antigo.Destoa do resto do filme. Pois tem tudo aquilo q descrevi acima!! Como disse: Me surpreendi com tanta coisa ruim em um mesmo filme. Posso garantir que este foi o pior filme que jah vi em toda a minha vida!!! Mas... continuo acreditando no cinema nacional!!!
Ryan, me parece que você não entendeu a proposta do filme, mas paciência. Acontece. Uma pena.
Assisti hoje no festival do Cine Sesc na Augusta, SP. Sinceramente, se você bocejar alguma vez durante o dia antes de assistir ao filme, pode ter certeza, você dormirá como um anjo na sessão. Eu me mantive acordado por curiosidade, mas ouvi um cara roncando na fileira de trás - sem brincadeira. Dos 75 minutos, é possível enxugar 5 prestáveis. O resto são cenas monótonas e infinitas de caminhões vindo de onde nasce o sol até a câmera. Legal, mostra a repetição da paisagem e o tédio do personagem, mas pera lá, não precisa exagerar... A trilha sonora se resume a sons irritantes e música de corno cantada por um nativo fanho. O único diágolo é com a prostituta sobre a tal vida lazer, mas a mulher não consegue entender a linha de raciocínio de nenhuma pergunta do interlocutor.
Moral da história: se você não tiver nada melhor para fazer, arranje qualquer coisa que já será melhor do que esse filme.
Louis, acho uma pena que você não tenha entendido o filme. Mas acontece.
Abs
odeio filmes brasileiros em geral, mas esse aí quero assistir.
Marcos, tomara que este filme ajude a mudar sua concepção do cinema nacional.
O filme é lindo. As críticas a fotografia, na minha opinião, são injustas uma vez que é uma das belezas do filme. Uma proposta nova. Você não vê o personagem mas o sente de uma maneira impressionante. Sem que os cineastas forçassem a barra para isso Como geólogo posso ter me interessado mais. E não acho que esta linguagem técnica que criticaram atrapalhe o desenvolvimento do filme. Aliás ocorrem alguns "erros geológicos" nas falas. O filme é muito bom. Fui assistir após um amigo comentar comigo, antes de ver li seu texto aqui assim como os comentários.
Eu adorei! Assisti aqui no Caixa Cultural no RJ.
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