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domingo, 17 de maio de 2009

Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei

Certa vez uma professora minha de cinema me disse: “Documentários são como salada, às vezes a gente come não porque é bom, mas porque faz bem”. O que ela quis dizer é que, em alguns casos, o documentário é muito bom não porque é um cinema bem feito, mas porque traz uma bagagem de conteúdo para nós muito importante. É o que passa no caso de Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei. Explico: Simonal não é um filme tecnicamente impecável, mas retrata a história de uma personalidade que já deveria ter sido retratada há muito tempo e o faz com uma competência e seriedade excepcionais.

Há momentos de imenso descuido com a imagem, entrevistas mal-focalizadas, cheias de grânulos mal-quistos, outra vez na qual os entrevistados (os filhos de Simonal) ficam rosa-choque, resultado talvez de uma má revelação da película e outra vez, que achei ainda mais falta de respeito, em que a imagem passa por uma “limpeza” em meio a uma das mais importantes entrevistas do filme.

Deixando o quesito fotografia de lado, é difícil encontrar defeitos neste documentário, porque o emocional e o encantamento com a figura do Simonal falam mais alto e nos envolvemos rapidamente com a história dele. Simonal foi um dos maiores vendedores de disco na década de 60 e meados de 70 no Brasil, mas se envolveu num escândalo que acabou com sua carreira. Foi vítima da própria ingenuidade, acrescentando a ela a sua arrogância. Acreditou ter sido roubado, sequestrou o sujeito e com a ajuda do DOPS (órgão repressor da época da ditadura) deu-lhe um “corretivo”. Como Simonal nunca havia tomado partido na política nacional, algo que a classe artística cobrava na época, o episódio foi suficiente para taxá-lo de “informante da ditadura”. Imprensa e colegas de profissão o boicotaram, seus discos foram retirados de catálogo, o colocando num ostracismo total por mais de 20 anos. “Seu dedo é maior do que sua voz”, publicou O Pasquim.

Um fundo do poço como poucos eu vi antes. Uma história de vida que vai do céu ao inferno em questão de dias e um pré-julgamento absurdo que impôs a ele uma pena provavelmente muito maior do que merecia e um caso que ninguém nunca fez questão de resolver.

Simonal foi, segundo sua viúva, um fantasma de si mesmo. O ostracismo acabou não só com sua carreira como também com sua saúde, já que levou-o a afogar as mágoas no álcool. Ele fez uma burrada? Fez. Mas as coisas que o acusaram foram justas? Digo que não. Fizeram com ele algo que vira-e-mexe acontece: um boato que vira fofoca, que a imprensa toma indício, que o público toma como prova, que os órgãos de investigação não levam até o fim e que o acusado acaba por culpado antes mesmo da apuração dos fatos (assim nos relata um jornalista em seu depoimento). Isso é muito feio e em alguns casos acaba definitivamente com a vida de uma pessoa. Só no fim da vida, ele conseguiu provar inocência diante da acusação de "delator da ditadura". Mas “a curva foi feita e agora não dá mais para voltar”, é o que lerá quem ficar no cinema até o fim dos créditos.

Imagino que quem for assistir ao filme terá as mesmas reações que tive ao assistí-lo, ora maravilhado com a arte de Simonal, ora chocado com o que ele sofreu, ora com raiva da arrogância e ingenuidade dele e a certa altura, com o “queixo no chão” por causa de um entrevistado inesperado, mas essencial, que depõe para o filme. Não direi quem é, para não estragar a surpresa.

Mas não só de polêmica e dureza é feito o filme. A incrível pesquisa de arquivo trás à tona cenas antológicas do personagem central, como na apresentação emocionante ao lado de Sarah Vaughn, o show no maracanãzinho, entrevistas da época e no número final, no qual Simonal canta a belíssima Sá Marina. Poderia citar mais um monte de coisas interessantes sobre o filme, mas fico por aqui para o post não ficar ainda mais longo.

O cinema nacional ganha mais um grande exemplar para sua coleção de excelentes documentários com Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Dei. Há nele anjos e demônios muitos mais interessantes para se assistir do que no filme com Tom Hanks. Só tenho que parabenizar ao Cláudio Manoel (ele mesmo, um dos Cassetas!) e a toda a equipe por trazer ao público uma história forte e extremamente necessária.

Imperdível!


Aperitivo:

Ficha:

Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei
(Brasil, 86 minutos, 2009)
Direção: Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal
Produção: Raul Schmidt e Roberto Berliner
Música: Berna Ceppas
Fotografia: Gustavo Hadba
Direção de Arte: Eduardo Souza e Rodrigo Lima
Edição: Pedro Duran e Karen Akerman

Nota: 8,3

21 comentários:

Carlos disse...

Olá Fred!Estou ansioso para assistir! Sempre quis saber mais sobre a história do Simonal e quando soube do filme logo despertou meu interesse.
Uma pena que o cuidado com a imagem não esteve à altura do documentário.
Assisti o "aperitivo" que vc postou e fiquei surpreso em ver o Artur da Távola, que faleceu recentemente. Que bom vê-lo uma vez mais. Sobre o que vc disse fiquei pensando no quanto a imprensa e a opinião pública podem destruir a vida de uma pessoa.Imagino até que haja por parte dos artistas que contribuíram para o documentário uma tentativa de se redimir, de oferecer o apoio não prestado, o que, sendo impossível fazê-lo ao próprio Simonal, o rendem à sua memória.

Jefferson disse...

Gostei de ver, mostrou que entende de Fotografia. Só achei um pouco exagerada e forçada a demonstração cinematográfica, enfim....Mas gostei da sua crítica, pois até agora foi o único que li que não contou o filme. Mas gostei muito e o Cládio Manuel que, assumidamente não é cineasta, mandou muito bem na escolha do tema, do assunto e no desenvolvimento também, seguindo bem à risca o " b-a ba" de um cinesta iniciante - deixando que o filme fale por si, sem querer demonstrar grande genialidade e sem pretender ser maior que o personagem central do documentário. Muito bom.

Pedro Tavares disse...

Oi Fred! Valeu a visita ao Cinema O Rama! Eu concordo com a tua professora. Documentários são importantes pelo seu conteúdo e eles justificam tais descuídos ou erros cometidos, apesar dos erros citados por ti, na maioria da pós-produção...

Tá adicionado!

Robson Saldanha disse...

Eu vi uma entrevista do Cláudio Manoel sobre esse filme e me deixou bem curioso, parece interessante!

Fred Burle disse...

Jefferson, não é que eu queira forçar demonstração cinematográfica nenhuma, até porque sou produtor e não fotógrafo. Mas quem mexe com isso acaba reparando mais e são coisas que me incomodam profundamente. Pra me incomodar mais do que isso, só se o "boom" aparecesse em quadro! rsrs

É o tipo de comentário que faço com meus amigos e não poderia deixar de fazê-los aqui também. Lendo os posts com mais frequência, você perceberá que são comuns em minhas críticas esse tipo de comentário.

Enfim, que bom que gostou da crítica. Também acho que contar demais a história do Simonal tira um pouco das surpresas que o filme nos revela. Assista-o que vale muito a pena!

Abraço!

Fred Burle disse...

Ledo engano, meu caro Carlos!

Depõem no filme basicamente jornalistas, produtores musicais e a família dele. Há alguns amigos, como Chico Anysio e Pelé, mas de colegas de profissão somente o Toni Tornado. É nítido que ele virou um assunto tabu para aqueles que o renegaram na época e até hoje, são poucos os que se arriscam a comentá-lo, talvez porque soaria hipocrisia ou então porque realmente não o perdoam até hoje, não sei. Tomara que passe por Ipatinga também, ou por BH, pra você poder assistir.

Abraço e que bom vê-lo por aqui!

Fred Burle disse...

Exato, Pedro!
O que acontece é que num documentário fica difícil repetir cenas (entrevistas), porque isso pode fazer com que o entrevistado perca a naturalidade. Então, se ocorre algum defeito na imagem, é preferível usá-la do que deixa de fora o depoimento.
Não é como na ficção, que pode-se fazer vários takes de uma cena só, até que aconteça um que fique satisfatório em todos os sentidos...
Por isso é mais perdoável encontrar esses erros num documentário. Mas que me incomodam, incomodam!
Só uma ressalva: a maioria dos erros acontece na fase de produção. Na pós, o que pode-se fazer é corrigir alguns deles, já que não dá pra voltar e refazê-los. Quando o erro de produção é grande, o cara da montagem não tem como fazer mágica com o material que tem em mãos! Isso já aconteceu comigo! rsrs
Abraço!

Fred Burle disse...

Não tenha dúvidas disso, Robson!

Pedro Tavares disse...

http://isohunt.com/torrent_details/80024965/the+education+of+charlie+banks?tab=summary

Segue aí o link do Charlie Banks!

Elizabeth Maia disse...

Deixando a discussão "cinematográfica" de lado, eu tive o privilégio de conhecer um pouco do trabalho do Simonal, como curiosa de música que sempre fui, e posso dizer: só quem perdeu foi o Brasil, esquecendo esse artista que foi dono de uma das vozes mais empolgantes que o nosso país já viu. Sua música e voz emocionavam, com interpretações divertidas como Mangangá e a minha preferida "Não vem que não tem". A vida lhe pregou uma baita peça, e apesar disso ele ainda nos deixou dois presentes maravilhosos: o Simoninha e o Max. Adorei o post, Frederico. Até agora, o que eu mais gostei. Por que será, hein? hahaha Super beijo!

Amanda disse...

"É nítido que ele virou um assunto tabu para aqueles que o renegaram na época e até hoje, são poucos os que se arriscam a comentá-lo, talvez porque soaria hipocrisia ou então porque realmente não o perdoam até hoje, não sei."

É verdade, Fred, cresci ouvindo meu pai (que sempre foi um ativista anti-ditadura) contar a história de Simonal e sua fama de dedo duro. É impressionante como um cara caí do céu ao inferno em frações de segundos. Tô louca para ver o filme.

Fred Burle disse...

"Pra ter fon-fon, trabalhei trabalhei!"
Muito bom! Essa música abre o filme já empolgando todo mundo! =)
Bjo, Beth!

Fred Burle disse...

Simpatizo com a postura da classe artística na época da ditadura, no que se refere a protestar contra o governo, mas daí se sentir no direito de ostracizar um colega por este não querer participar da onda, foi covardia além dos limites mesmo...
Leve seu pai, Amanda! Com certeza será um programa ainda mais interessante, já que ele deve ter informações para acrescentar! =)

Rob disse...

Muito boa a análise, Simonal é um documentário excepcional (no meu blog usei o termo técnico adequado... rs). Obrigado pela visita, vou passar por aqui de vez em quando.

Fred Burle disse...

Oi, Rob! Obrigado pelo elogio e pela visita. Venha sempre mesmo!
Quanto ao termo técnico, "é do caralho" mesmo! rs
[]!

Anônimo disse...

Manda o link do simonal, ninguém sabe o duro que dei.

Fred Burle disse...

Anônimo, eu só posto torrent de filmes difíceis de encontrar.
Simonal está chegando às locadoras e poderá facilmente ser assistido, ok?
É um filmaço que merece inclusive ser comprado.
Abraço!

Elizabeth Maia disse...

Fredzinhoooo, só hoje assisti o filme do Simonal e vim reler sua critica e não concordo copm algumas coisas que vc escreveu, mas vou deixar para comentarmos completamente bebados no próximo open house, dia 19. hahahaha Beijokas

Fred Burle disse...

Bethinha, fiquei curioso sobre o que você discorda, mas espero com gosto para discutirmos à base da caipiroska que você faz! rsrs
Beijo!

Thiago disse...

Muito bom. E o convidado inesperado mostra bem a imparcialidade do documentário. Concordo com o Chico Anysio, Simonal está agora divindo com São Pedro a regência da orquestra de anjos no céu.

Fred Burle disse...

Thiago, um filme (principalmente documentário) nunca é imparcial. Mas a iniciativa de tentar mostrar os dois lados da moeda é louvável.

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