Ainda no Brasil, às vésperas de vir embora, eu estava fazendo uma pesquisa de arquivos para um documentário e pude perceber que alguns assuntos e personalidades eram uma constante nos jornais da época – no caso, o mês de agosto de 1970.
Naquele mês, falecia o grande astro cômico brasileiro, Oscarito. Pipocaram homenagens diárias nos meios de comunicação, que já há alguns dias dava-lhe grande destaque, desde que o estado de sua doença agravara. Eu, que tanto gosto dos filmes do Oscarito – que em muito me lembra meu falecido avô –, me emocionei ao perceber o quanto sua morte comoveu o Brasil.
Uma das homenagens que mais chamou-me a atenção, por sua lúdica e singela escrita, foi assinada pelo então jornalista Jayme Taddei. Uma reverência notadamente oriunda de sua grande admiração ao Oscarito. Solicitei um cópia ao jornal (o Correio Braziliense) e reproduzo-a na íntegra abaixo, incluindo suas expressões e seus grafismos contemporâneos.
NOSSA SAUDADE DE OSCARITO
por Jayme Taddei
“Levaram embora o sorriso e a gargalhada da infãncia da gente. E muito da nossa infãncia se foi com o sorriso emurchecido pela dor e crestado pelo derrame que nos tirou Oscarito. Oscarito já é só saudade.
Ta-ta-ta-tá na hora/ va-va-va-vale tudo agora
Praça da bandeira com todo aquêle jeito seu suburbano, nos bondes que lhe riscavam o chão, no anúncio luminoso do mate leão gigantesco a anunciar-se o uso e o abuso recomendado. Na praça das enchentes da chuva habitual. O Corpo de Bombeiros. O Bar Sereia anunciando comêço de pecado, Motorneiros, condutores fiscais da Light. Estudantes buscando a Tijuca estudiosa. No meio da praça o circo. Circo Democrata. Nas frestas indiscretas da lona velha, a cara de minha infância a buscar entrever a família acrobata. Oscarito, mãe e irmã. Oscarito foi a pirueta de graça nos arroubos de minha infância.
Sou mo-mole pra fa-falar
mas sou umpintacuda pra beijar
Os cinematographos viviam seu momento maior de autenticidade, com seus phs de pharmacia, seus heróis pálidos e suas emoções de técnica tremida. E o môço Oscarito a buscar na rabeca rebelde o acorde que vestisse o amor e a lágrima daquele prêto-e-branco indeciso. Quanta emoção coletiva, quanto sorriso de platéia dependendo de seus tons e de suas notas. Quanto 'poeira' de subúrbio viveu seu momento de gala de matinês e vesperais do frufru dos sacos de balas, nas mãos em carinho buscadas tocar. Nos acordes de sua própria emoção.
Eu fico ga-ga-ga-ga-gago dentro do salão
E até pa-pa-pa-pa-pa-pago pra não ver canhão
Um dia o cinema falou. E o homem que vivescia imagens importadas saiu de orquestra inútil para a tela. Começava ali uma nova vida para o cinema nacional. Ali começava a vida de Oscarito. Alô Alô Carnaval, Banana da Terra, Céu Azul e Bombonzinho que lançava uma música nova: O que é que a baiana tem, de um baiano chamado Dorival Caymmi. Quiseram levar para fora a imitação que fez de 'Gilda', famosa na época. Era grande demais o apêgo ao Brasil do brasileiro nascido em Espanha. Oscarito ficou. Nas telas de nossa infaância.
40 filmes. Mais de 40 filmes. Tristezas não pagam dívidas e Barnabé, tu és meu: a graça no jeito e no trejeito; E com êsse que eu vou e Matar ou Correr: o esgar e a imitação; Aviso aos Navegantes e Colégio de Brotos: a mímica e o contorcionismo facial; Papai Fanfarrão e Este Mundo é um Pandeiro: a pantomima, o pastelão na cara, o poder de expressão de suas mãos o sorriso sorrindo maroteira ingênua, a exploração da graça simplesinha o poder da chanchada desintelectualizada, a linguagem alegria do gesto de Oscarito. Este Mundo é um Pandeiro.
Em 10 dias nos levaram Oscarito, que antes se recusara a participar de um filme, dizendo mortos já os tipos que criara. Como se o seu humor se fizesse de tipos. Como se fôsse possível morrer a graça nascida do espontâneo sadio, da verve pura nascida de sua alma e projetada nos sempres das telas de nossa infância.
Mas se se se a dona é boa
A minha língua se destrava atoa
Este Mundo é um Pandeiro.”
Oscarito em "Aviso aos Navegantes":
3 comentários:
Muito bom o texto. E engraçado que essa semana estava revendo Aviso aos Navegantes para uma aula que estava preparando... Ele era um mestre do humor, mesmo.
bjs
Se esse senhor tivesse nascido nos EUA, seria considerado um dos maiores gênios da história da comédia, junto com Irmãos Marx, Buster Keaton, Chaplin, Jerry Lewis e tantos outros. Um talento inegável!
Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com
Amanda, você está dando aula? Que massa!
pseudo-autor - Isso era o que todos diziam. Mas eu acho que ele teve o devido reconhecimento no Brasil. Só não cuidaram muito para que seus filmes perpetuassem...
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