Depois de acompanhar a patetice do ditador nortecoreano Kim Jong-Il de só exibir os jogos da seleção de futebol do seu país na Copa do Mundo no dia seguinte – e posteriormente abrir a exceção no fatídico jogo contra Portugal – lembrei deste outro filme, iraniano, do diretor Jafar Panahi (O Balão Branco; O Círculo; Ouro Carmim).
Para nós é banal a mobilização para ver os jogos do Brasil em época de Copa e provavelmente nem nos passa à cabeça o fato de que nem todos têm a liberdade que nós temos. No Irã, as mulheres são terminantemente proibidas de entrar num estádio de futebol. É esta situação que o diretor explora em Offside – Fora do Jogo, vencedor do Urso de Prata em Berlim.
Fanática por futebol, uma garota se disfarça de homem e tenta entrar no estádio, para assistir o jogo entre Irã e Bahrein, pelas eliminatórias da Copa do Mundo da Alemanha, em 2006. O jogo era decisivo para a entrada ou não do país naquela Copa.
Descoberta pelos militares que faziam a segurança do evento, a menina é detida e passa boa parte do jogo presa em um cercado, do lado de fora do estádio, junto com outras que, como ela, se disfarçaram para assistir o jogo.
É impressionante o frisson que o futebol causa no mundo inteiro e mesmo num país cheio de restrições, onde qualquer informação vale ouro, todos opinam e sabem algo sobre o tema e facilmente podemos encontrar, entre os torcedores, pessoas vestindo a camisa do Brasil e até mesmo do Real Madrid ou do jogador nigeriano Kanu, que na época era considerado um dos melhores.
Ciente de que aquele poderia ser um dia histórico para seu país, Panahi resolveu filmar em tempo real, simultaneamente aos acontecimentos. Ele escreveu um roteiro com várias ramificações, para que os rumos da película fossem decididos pelo jogo, ou seja, se o Irã perdesse, o final seria um e se ganhasse, outro final seria encenado.
Com esta grande sacada, Panahi realiza uma obra que não só faz rir – como entretenimento total que aparentemente é – como também incita a reflexão e critica fortemente alguns costumes do seu país, tendo nos diálogos da menina com os policiais que a detém, uma infinidade de temas e argumentos de ambas as partes.
Seguindo os mesmos preceitos do cinema neorrealista iraniano – que ele inclusive ajudou a instituir, com seus filmes – Jafar Panahi realiza uma obra em tom documental, de conteúdo e incrivelmente leve e divertida, apesar de seus personagens serem cercados de dramas. Prova de que ainda é possível sim, fazer cinema com apenas boas ideias e pouco dinheiro.
Jafar Panahi foi preso em março deste ano, acusado de estar produzindo um filme que fazia oposição ao regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad e gerou uma onda de protestos da classe artística do mundo todo, especialmente no Festival de Cannes, onde ele faria parte do júri.
Libertado no final de maio, Panahi pouco se pronunciou sobre o assunto e não se sabe se o filme realmente possuía a crítica ao governo – ele nega – e não se sabe se ele o concluirá, mas com certeza a temática era, mais uma vez, algo que questionasse a cultura opressora ou o regime sob o qual é submetido o seu país. Eu espero que ele possa continuar a fazer seus filmes em paz e que possa nos brindar mais vezes com sua simplicidade e genialidade.
Trailer:
(Offside, Irã, 93 minutos, 2006)
Dir.: Jafar Panahi
Nota 9,0