Faz
um tempo que tento espantar a preguiça de assistir as obras do
canadense Guy Maddin, talvez pela constante comparação que fazem
entre ele e David Lynch, diretor que eu já desisti de entender –
até porque nem o mesmo consegue se explicar. Das obras de Maddin,
resolvi então começar por My Winnipeg, obra que brinca de ser
documentário, sobre a cidade natal do diretor.
Se
o ponto de partida foi o melhor, ainda não posso dizer, mas é
verdade que este filme chamou minha atenção desde os primeiros
minutos. Diferentemente de Lynch, que busca inspiração para suas
loucuras na ficção total, Maddin faz surrealismo da sua própria
realidade e das suas memórias.
Partindo
das lembranças que tem de sua cidade natal, o diretor faz uma
espécie de exercício de exorcismo dos traumas da época em que lá
morava, assim como faz do filme um veículo para suas queixas e
mágoas sobre a região e seus habitantes. Por isso, o seu maior
personagem – à parte a cidade – é sua própria mãe, presente
como um fantasma repressor, expresso em foto de alto contraste,
sempre imponente e ditatorial.
É
a mãe e o núcleo familiar que dominam o primeiro terço de filme,
como uma explicação do contexto, sobre como era vida do diretor
naquela época. A opinião forte expressa rende momentos tensos, mas
também muito divertidos e não raramente, claramente carinhosos,
melancólicos.
Depois,
é a vez da cidade se fazer personagem principal e inicia-se então
um tour pelos pontos de maior valor sentimental para Maddin. Ele nos
apresenta uma antiga loja de departamento, uma piscina de três
andares, muitas ruas, fatos que aconteceram por lá no início do
século XX, simula uma invasão nazista durante a Segunda Guerra
Mundial, e o mais interessante: um estádio de hóquei, onde ele
experimentou os primeiros sentimentos homossexuais. Lá ele relembra
os jogadores mais bonitos, como também os melhores em campo.
Reconstitui até um jogo atual, imaginando como seria reunir as
diversas gerações de jogadores numa única partida.
Tudo
é retratado com uma fotografia granulada, muitas vezes embaçadas e
propositadamente velhas. Uma clara referência aos primeiros
documentários, mas com a diferença de que há aqui a inclusão da
verborragia inexistente nos primórdios.
É
no mínimo uma experiência curiosa, observar como ele constroi
(literalmente) uma memória que nada tem de coletiva. Há cenas de
arquivo misturadas às encenações – sim, ele usa atores para
representar a si mesmo e aos outros – e em alguns momentos não é
possível distinguir o que é real e o que criado. É tão parcial
que até o que não lhe apetecia ele faz questão de excluir, como se
não tivessem existido. Exemplo maior é a eliminação do pai, a
quem ele parece nutrir repúdio.
Ele
diz que tudo que acontece na cidade é em eufemismo, o que se
configura como o contrário do que ele faz com sua narração, direta
e sem poupar ninguém.
Com
as incontáveis colagens, Maddin realiza um experimentalismo com nexo
e linha de pensamento bem estabelecida. Só faltou levar o espectador
para dentro daquele mundo. Divertido e afetivo, ele parece ter feito
este filme apenas para si, o que torna o acesso bem difícil.
É
um trabalho que só envolve emocionalmente a ele. Apesar da
inacessibilidade de seu conteúdo, sua forma singular aguça a
curiosidade sobre suas outras obras.
Trailer
(idem, Canadá, 80 minutos,
2007)
Dir.: Guy Maddin
Nota
7,5
0 comentários:
Postar um comentário
Concordou com o que leu? Não concordou?
Comente! Importante: comentários ofensivos ou com palavras de baixo calão serão devidamente excluídos; e comentários anônimos serão lidos, talvez publicados, mas dificilmente respondidos.