Discutir
o documentário como gênero e suas implicações como registro de
fatos é uma questão que de alguns anos para cá ocupa os seus
feitores documentaristas, os analíticos do cinema e os
historiadores. Não muito mais do que isso. O público em geral pouco
se questiona
sobre a veracidade das histórias montadas
nestes filmes. Talvez por ignorância, inocência ou até mesmo
comodismo.
O
maior feito de Sarah Polley ao fazer um documentário sobre a própria
mãe talvez seja despertar esta reflexão em quaisquer de seus
espectadores. Acredito que, mesmo inconscientemente, todos os que
assistirem a este filme pegar-se-ão pensando sobre a verdade (ou
inverdade) da própria existência, mesmo que num nível supérfluo
de fofoca, no que acreditar ou não e sobre a subjetividade dos fatos
em toda e qualquer releitura de acontecimentos.
Sarah
entrevista sua família e amigos afim de recapitular a história da
própria mãe. Por ser a caçula dos seis filhos de Diane, Sarah não
conviveu com a mãe por muitos anos, o que torna plausível a vontade
de tal recapitulação. Mas as surpresas que o desenrolar da história
guarda tornam tudo ainda mais plausível. Sarah, na verdade, sabia
onde tudo daria, pois passara por este processo de resgaste da
memória materna antes de resolver filmá-la. Portanto, o filme é
menos sobre uma busca de identidade e mais sobre memória. Cada um
ali conta a sua visão dos fatos e, como a personagem principal é
falecida, ficam(os) todos à deriva da imaginação dos depoentes e
da nossa própria imaginação.
Contando
assim, parece mais um documentário que discursa sobre o tema, mas
“História que Contamos” é feito com tamanha afeição,
delicadeza e (aparente) honestidade dos seus envolvidos que pega pelo
sentimento e faz doer na alma, ao mesmo tempo que a acalenta. A
aparente felicidade do início desmorona aos poucos e mostra uma
história de traição, amor (e falta de), abandono e busca por um
sentido à própria existência. Para isso, Sarah conta com a ajuda
de cada um dos seus entrevistados, que se despem de qualquer vaidade
e falam com maturidade sobre os defeitos e percalços da própria
família. Sem fazer o menor drama, tudo parece tão verídico e
próximo de qualquer realidade do que qualquer álbum de família em
Osage County. Ao mesmo tempo, é tudo tão falso e reconstruído como
qualquer filme de Hollywood. As imagens de arquivo revelam-se
dubiosas e a diretora não faz questão de nos esconder isso. Pelo
contrário, filma a própria câmera, dubla a si mesma e nos convida
a brincar de quebra-cabeças com ela.
Reflexões
sobre memória à parte, fica difícil conter as lágrimas com as
reflexões do pai de Sarah, Harry. Ele lê uma carta num estúdio de
gravação de áudio durante todo o filme, como se fosse seu
narrador, mas é no final que ele faz, mesmo sem querer, uma das
declarações de amor já vista e dá um show de desprendimento e
maturidade. Doloroso, mas muito emocionante.
Trailer
(Stories
We Tell, 108 minutos, Canadá, 2012)
Dir.:
Sarah Polley
Nota
8,0
1 comentários:
Gosto da Sarah Polley e fico feliz em vê-la se destacando atrás das câmeras
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